01/03/2013

O Colecionador de Desculpas - Crônica 41


 
Como alguém se deixa cair, como alguém se deixa entrar no vício de colecionar desculpas a todo instante? O que a sonoridade de um pedido de desculpas causa na mente de uma pessoa? Este som, de algum modo, ecoa por entre as paredes do ouvido até chegarem ao cérebro, produzindo algum efeito psicodélico e entorpecente que faz com que qualquer um se sinta no dever prazeroso de pedir e querer ouvir mais e mais: “me desculpa”.

No entanto, por mais grandioso que seja imaginar uma só pessoa ouvindo este pedido de desculpas a todo instante de vários e vários indivíduos, é o total contrário que aqui fica registrado. Aqui, não são milhares de bocas que dizem: “me desculpe”; mas sim, uma só boca dizendo a milhares de ouvidos: “... por favor, me desculpe”.

O colecionador de desculpas não é aquele que as ouvi, mas sim, aquele que as implora; é aquele que pede desculpas em momentos tecnicamente contraditórios, nos quais tudo pode ser dito, menos esta palavra que parece zombar da cara e dos ouvidos de quem a recebe.

-- Me desculpa!? Por favor, me desculpa.

-- Não. Pára de pedir desculpas. Pára. Isso me irrita.

-- Mas como? Eu estou pedindo desculpas; dizendo que errei e que pretendo não repetir o erro.

-- Eu não acredito mais. Já ouvi você se desculpar centenas de vezes e nunca parece verdade. Talvez nas primeiras vezes, nos primeiros dias. Mas agora, agora estas suas desculpas parecem não fazer mais algum sentido.

-- Mas faz todo o sentido. Claro que faz! E sabe por quê? Por que eu te amo, e quero passar o resto da vida ao teu lado.

E essa foi a primeira vez que o colecionador de desculpas sentiu como era forte o poder em suas palavras, por vezes seguidas de um sorriso discreto e ao mesmo tempo atraente.

A eternidade durou apenas mais alguns dias. E a primeira garota foi logo substituída por dezenas de outras, que passavam menos tempo que ela pela vida do colecionador de desculpas.

-- Mas eu te amo. Por favor, me desculpe.

-- Eu não acredito. Você está pedindo desculpas de novo?! Chega! Eu não agüento mais esta situação.

-- Mas, por favor, entenda. Eu não fiz por mal. Não quis te fazer mal algum. Só falei o que acredito ser certo. Não posso ser sincero?

-- Você não está sendo sincero. Está sendo sarcástico, ou hipócrita até. Pare de pedir desculpas. Só está fazendo isso pra eu pensar que estou errada.

-- Tudo bem. Então, me desculpe por isso também.

O colecionador de desculpas não fazia tal pedido por mal. No entanto, possuía conhecimento sobre sua condição. Em sua mente, pela experiência que havia adquirido com o tempo, em seus relacionamentos, percebeu que ele parecia sempre estar errado. “Por que isso?”, se perguntava ele; “por que diabos eu estou sempre errado?”; e começou, então, há agir como tal. Seus pedidos de desculpas se tornaram um modo de se entregar a culpa injusta. Pedindo desculpas logo de início, confessando um crime não cometido, ele estava fazendo com que este ato se tornasse uma manifestação de revolta. Assumir a culpa se tornara um modo de negar a impunidade. Afinal,... “maldição. Só eu estou errado? O que eu fiz?”

Mais uma. E outra. E outra. E mais tantas e tantas pessoas passaram por sua vida. Não apenas mulheres em um relacionamento. Não apenas os amigos e a família. O colecionador de desculpas atirava seu pedido para todos os lados, pondo-se sempre em uma condição miserável de injustiça. Vítima. Vitimado. O colecionador de desculpas vitimava a si mesmo, cada dia e noite que se passava, se obrigando a assimilar mais e mais sua culpa por sabe-se lá o quê.

-- Sei que me coloco nesta condição por querer. No entanto, quero sem querer. Quero, pois sou obrigado a querer. Sou vítima do erro por estar errado a todo instante. Ninguém assume seu erro, e este peso recai sobre meus ombros. Sendo assim, assumo-o e dou-lhe moradia.

O colecionador de desculpas sou eu, você, seu pai e sua mãe, seus irmãos e primos, seu vizinho, seu chefe, seu colega de trabalho, etc. O colecionador quer unanimidade. Quer ser o único a pedir desculpas para toda uma cidade. Quer o peso em suas costas cada vez mais denso e desequilibrado. O colecionador de desculpas quer andar na contramão, e assumir suas responsabilidades a cada palavra dita. Mesmo que estas responsabilidades e seus erros sejam adquiridos.

Depreciação como forma de engrandecimento?

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