Verbos Venenosos
Rebeca transa com a verdade como uma prostituta ou uma adolescente
embriagada, fazendo tudo o que lhe vêem a cabeça.
― Eu chupo a verdade e deixo-a gozar na minha cara. – pensou ela
sussurrando, meio que afirmando suas próprias expectativas.
― O que você não sabe, Rebeca, é o motivo que te tornou essa
pessoa obcecada por respostas plausíveis. Qual é o motivo? Existe algum? Você
faz o que faz, é o que é por qual razão? Você ao menos possui alguma?
― Não preciso de razão. Porém, quero ir mais além. Quero ir a
fundo. Quero buscar na alma das pessoas suas razões, não as minhas, para
continuarem sendo o que são. Para continuarem vivendo. – dizia Rebeca. Quero
buscar as razões que fazem a sociedade se mover rumo a essa visível catástrofe
sócio-plasmática. Se é o amor, tanto faz. É isso o que eu busco. Quero saber o
que existe no centro dessa amálgama injuriada chamada ser humano.
― Mas Rebeca, tanto tempo se passou desde o começo destas páginas
que lhe atribuem vida, e nada você aprendeu? – indagou alguém que penetrava seu
corpo.
― Quero os detalhes. Quero o sangue, a saliva e o suor de cada
explicação. Quero ter um orgasmo para cada resposta que me derem. Quero sentir
nas paredes do meu útero o gozo da contradição em cada palavra jorrada pela
boca das pessoas. – respondeu a garota Rebeca. Aliás, algumas semanas resumidas
em poucas páginas não bastam. Eu quero mais... Eu tenho muito mais a ser
explorado.
― Você perdeu o foco. Perdeu o prazer... Não sabe mais onde
procurar, pois não sabe mais o que está procurando. Não sabe mais quem você
mesma é.
― Eu sou Rebeca! Rebeca von Weisheit, o Amor e a Solidão.
Os dias na vida de Rebeca passavam lentamente. Tão velozes como um
trem-bala, como um turbilhão. E a garota/mulher continuava sua busca pelas
respostas de algumas perguntas as quais apenas ela conhecia. Questões, talvez,
nunca compreendidas em sua mente. O whiskey já não ajudava mais. A vodka pura,
russa, de Anna já não respondia questão alguma. O gim, o absinto, a sambuca, o
vinho, nem mesmo o hidromel de Aske lhe trazia algum devaneio objetivo, ou um
pouco menos vago do que o de costume.
...
Quem precisa do amor, de amor? Quem precisa amar? Quem, por mil
demônios e anjos, precisa ser amado, afinal de contas? Quem quer ser afrontado,
contrariado, escravizado... Quem quer sucumbir ao amor? Quem quer ser suicida?
O amor não é um sentimento a dois. Não pode, por natureza, existir
um amor único entre duas pessoas. Cada um possui seu próprio amor: o amor pelo
outro. Um relacionamento: dois amores! E eles, os amores a dois, são
solitários. Um sentimento de amor briga com o outro pela ocupação do espaço
entre dois corpos. Para que um fique, o outro precisa partir. É assim num
contrato a dois. Pois, não é isso o casamento? Um contrato? Não são os DOIS, mercadoria? Não está UM cedendo a utilização do seu
corpo, de si, ao outro, pelo tempo em que permanecerem juntos? A união é um
comércio.
Como pode, então, o AMOR
ser feliz, cedendo seu lugar a outro, diminuindo sua potência, ou até mesmo
deixando de existir? Para que duas pessoas se amem, verdadeiramente, em sua
totalidade, de verdade, é preciso que não amem um ao outro.
O amor é solitário! Só se pode amar sozinho!
Não se pode ter amor ao lado de outra pessoa, de outro amor. De fato,
quem ama, quem realmente sente amor e quer o amor, está e estará sempre, a todo
instante, sozinho. Pois, uma relação a dois, três... se baseia em ceder: ceder
aos pontos de vista do outro, ceder às vontades do outro, dizer não! a
si mesmo. E quem, sejamos francos, pode ser dono o bastante de si mesmo e de
seus sentimentos a ponto de dizer não! ao outro, ao amor do outro?
A solidão ama! Não as pessoas. As pessoas
não amam. A solidão ama, pois o amor ama a si mesmo.
Então, o que torna possível um relacionamento? O que torna
possível que duas pessoas fiquem juntas, permaneçam unidas? Bom, não é o amor!
Pois, quando se está junto, a vida continua, e as conquistas também. As
responsabilidades aumentam. Os gastos, as necessidades, o trem continua no
trilho e o preço que mantém seu combustível é alto. A vida continua a se
construir, e um segue pelo caminho do outro, juntos, meio que sem
querer; mais ou menos por impulso, pela alienação do “estar junto”, meio
que sem saber por que se está indo para o mesmo lado. Essa é a conveniência!
É conveniente fazer o que o Outro quer, para que eu
também consiga fazer o que Eu quero. Faça de novo, e de novo: vire-se
para trás, e volte! É assim que funciona. É uma troca, não é mesmo? Eu faço o
que você quer, hoje, e você faz o que eu quero, amanhã. Pode ser?
Está bem assim? Está bom pra você? E, caso uma das partes não cumpra com seu
acordo, pronto!, está aí: crise, um impasse. Não minta! Mantenha seu
mundo real em mim! Enlouqueça! Grite; esperneie. Mas, mesmo assim, o outro
amor está aí, tentou sobreviver, se sobressair. Mas, não! Aqui não, meu
amigo! Só há espaço para um amor. O outro que ceda espaço. O outro que dê o
braço á torcer. O outro que chore em silêncio quando eu não estiver olhando.
Quando você, Amor, estiver sozinho, quieto no seu canto,
acabado de acordar de uma noite de choradeira ainda com lágrimas nos olhos...
Aí sim! Agora sim você pode olhar para frente e enxergar o horizonte. Aí
sim você pode ver o resto do mundo à sua frente.
A solidão ama o amor, pois ama também a vida, o viver.
A solidão existe quando se está acompanhado. Não quando se está
sozinho.
A solidão existe quando se tenta mostrar ao outro o amor por seu
próprio ponto de vista. E dói quando o outro o aceita, pois o amor desaparece.
O amor é um gênio forte, e quer continuar vivo, ativo, excitado!
O amor é um gênio forte, que não quer partilhar um pedaço de si
com o outro.
O amor a dois é solitário. O amor a dois é triste, pois chora
sozinho pedindo espaço. Chora sozinho pedindo atenção.
O amor ama a solidão, pois assim pode continuar vivo. A
cumplicidade mata o amor. Queima sua existência. Fura seus olhos com um prego
quente, e o deixa chorando sangue.
O amor morre quando há união. E quando acaba o amor, o que sobra é
o casamento. A conveniência da união.
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