[Trecho do novo livro, 2019]
Na
verdade, ninguém é. Então, não se sinta sozinho nessa; mas também não se sinta
tão especial assim. Sentir-se especial demais, digo, em demasia, o tempo todo,
pode ser uma armadilha. Quando isso acontece, passamos a acreditar que
realmente somos especiais, e toda aquela conversa de que somos únicos no
universo, um céu de arco-íris e nuvens de algodão, que o ser humano evoluiu e
evoluiu e está em sua melhor forma, que nenhum outro ser na Terra é tão
importante quanto o ser humano – numa mistura de antropocentrismo,
evolucionismo e criacionismo. Bom, é mesmo uma armadilha. Crocodilos são só
crocodilos e estão por aí desde muito tempo antes de nosso antepassado mais
antigo sequer pensar em dominar o fogo. E o ser humano, bom, o ser humano é só
isso mesmo. Sentirmo-nos especiais, além da realidade, pode nos tornar feitos
de ilusões sobre nós mesmos. Somos bons em muitas coisas, realmente.
Construímos, evoluímos, criamos, organizamos etc., mas, especiais? Não sei. Num
mundo (numa sociedade) na qual todos são especiais por algum motivo, todos são
tudo ao mesmo tempo, essa geração de vencedores, não sei se posso dizer que eu
seja especial. Não mais, eu acho. Não por “perder o lugar” ou coisa assim. Digo
“não ser especial”, pois, quando olho para mim, para minhas conquistas, minhas
lutas, dilemas, vitórias e incontáveis derrotas, penso apenas em algo do tipo “Bom,
não tinha como ser de outro jeito. Se está acontecendo assim, então é assim
mesmo, foi assim que consegui. Não tem nada de especial nisso tudo. É o que
deveria ser e sou o que eu deveria ser”, pois, de outra forma sempre seria a
mesma coisa, sendo que o pensamento sempre partiria do agora, da realidade do agora.
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Me
pego pensando assim, pois, não poderia mesmo ser de outro jeito. Só tenho essa
vida para viver e tudo o que aconteceu até agora já foi, já passou, e tudo
aconteceu como só poderia acontecer em todos os seus momentos. Eu deveria me
perguntar, então: “O que me torna especial? Por que eu deveria me sentir
especial”? Pare por um momento e se pergunte isso também, se é que você já não
o fez. Nós não nos conhecemos e provavelmente nunca nos veremos, mas, se nos
encontrássemos pela rua e parássemos para conversar sobre todos esses assuntos
e eu perguntasse, muito intrometido, por
que você se acha tão especial, o que você responderia? Assim como eu, você
também já fez muita coisa nessa vida, e é claro que muitas dessas coisas foram
importantíssimas tanto para você quanto para as pessoas ao seu redor. Temos
muito potencial para fazer coisas boas, fazer o bem. Acredito nessa capacidade
do ser humano: capacidade de fazer o bem. Obviamente, a tendência parece ser
sempre o contrário. Enfim. Talvez eu seja apenas um sonhador. Mas continuo
acreditando.
Cada
um de nós possui potencial para uma
série de coisas; alguns possuem mais, outros, menos. Alguns possuem para muitas
coisas, e há quem possua potencial para uma ou outra coisa apenas. Mas, todos
possuímos. Este potencial é uma tendência
natural do indivíduo em realizar determinadas tarefas com destreza ímpar;
porém, este potencial necessita estar associado a uma habilidade, e esta
habilidade necessita ser transformada em ação prática. Pois, de nada vale
conhecermos nosso potencial e não o explorarmos. Ou seja, de nada vale eu saber
que sou muito bom para uma determinada coisa e simplesmente não me esforçar
para realizar esta coisa. De repente eu sou um excepcional jogador de futebol,
quem sabe. Mas eu sei mais do que comprovadamente que isso não é verdade, pois
sou um perna de pau deprimente só de
ver; não tenho a menor inclinação para o futebol e é difícil eu conseguir
correr e chutar uma bola ao mesmo tempo. É patético só de pensar (e você pode
rir à vontade). Contudo, tem coisas que eu sei fazer, e é sobre essas coisas
que tento manter o foco. Não adiantaria eu passar um ano inteiro tentando jogar
futebol se, em primeiro lugar, eu não gosto de futebol, e em segundo, não tenho
habilidade nenhuma para isso. Claro, posso tentar e aprender e me aprimorar,
mas tenho certeza de que não é uma coisa que me satisfaria. Por outro lado,
gosto de lecionar, sei que tenho uma boa oratória, gosto de me comunicar e
escrever, então, foco nestas atividades, pois elas, sim, me alegram. Me sinto
feliz em fazer o que faço quando posso, e sei que estas coisas me fazem bem,
pois tenho vontade de continuar fazendo. Isso, para mim, é um termômetro, um
motivador. Se sinto vontade de fazer novamente, provavelmente isso me alegra e
eu quero mais, quero continuar fazendo, direcionando minhas energias e minhas
vontades para o que me faz bem; assim, consigo me aprimorar ainda mais,
aprender mais para fazer melhor aquilo o que eu acredito estar fazendo bem.
Em
uma análise estoica do pensamento grego antigo, nossas habilidades nos são
atribuídas pelo universo, e cabe-nos desenvolver e desempenhar essas
habilidades. Nesta filosofia, para uma vida feliz, então, é necessário que
aceitemos essa “imposição” superior de habilidades, essa nossa sina cósmica determinante,
uma ordem universal, uma vida pré-estabelecida, e pautados nisso, tornemos
nossa vida uma vida significativa, pois, o “Plano B” seria não aceitar nossas
habilidades, não desenvolvê-las e viver uma vida que não nos agrada, na
contramão do universo, desequilibrando-o. Pois, O Universo quer que você faça o
que ele determinou para que tudo funcione perfeita e equilibradamente.
Ainda
sob essa ideia, você até pode estar feliz fazendo o que não nasceu para fazer,
mas o universo estará triste com você. Sinto muito. Você está fazendo o
universo chorar (possivelmente por vergonha alheia). Por exemplo: se sua
habilidade fosse a construção civil ou a medicina, de nada adiantaria levar uma
vida de porteiro ou professor, pois nenhuma alegria sincera poderia sentir de
uma vida que não fosse a sua (no caso, a vida pré-determinada). Você pode ser o
melhor dançarino do mundo, da dança contemporânea ao ballet clássico, mas, por mais que sentisse certa alegria, não se
sentirá um indivíduo completo, uma pessoa realizada, pois sua habilidade
universal, suponhamos, o levaria para a administração de empresas ou para o
campeonato mundial de Curling nas
Olimpíadas de Inverno. Estoicamente, a partir do momento em que se aceita suas habilidades universais, desenvolvê-las e
utilizá-las torna-se natural, pois as mesmas já fazem parte do seu eu, e o universo jogaria a seu favor,
claro. Automaticamente, negar suas habilidades universais é optar por uma vida contra
o universo e contra si mesmo: uma vida infeliz, sem prazer, sem realização, uma
vida insatisfeita.
Para
Voltaire, porém, saber desenvolver suas habilidades é um atributo tão importante quanto suas próprias habilidades, e isso demanda
significativa persistência do indivíduo. Assim, acredita-se que nossas
habilidades serão determinadas por nosso esforço em aprendê-las, desenvolvê-las
e aplicá-las, cada um destes passos
possuindo suas próprias habilidades decompondo etapa por etapa, ação por ação
etc. Pois, podemos saber quais são nossas habilidades, mas podemos não saber
desenvolvê-las. Podemos saber desenvolvê-las, mas podemos não saber aplicá-las
(utilizá-las). E para quem sabe o que quer fazer, tenta, mas não consegue, não
existe frustração maior. Contudo, aprimorar nossas habilidades é o que as
tornará reais. Sem treinamento constante nenhuma habilidade pode se sustentar e
ser utilizada, e seriamos apenas indivíduos dotados de funções básicas da
fisiologia humana, restritos até mesmo a uma comunicação básica e primitiva.
Mas,
qual o motivo de toda essa dissertação sobre habilidade? Pois, contemporaneamente, suas habilidades não
significam muita coisa caso você não possa compartilhá-las.
Certo,
sempre existirá aquele que diga preferir a vida de ermitão, que não precisa de
ninguém e de nada além de suas próprias mãos e força de vontade. Mas, vamos
deixar esse sonho romântico de isolamento e autossuficiência de lado para nos
lembrar que, a partir do momento em que existimos em sociedade, tudo é
compartilhado; e este tudo é
absolutamente tudo mesmo. Do momento em que nos levantamos da cama ao momento
em que pegamos no sono na mesma cama no fim do dia, tudo está existindo e sendo feito por alguém (e este por, no sentido, também, de “em razão
de”). Todas as manifestações conscientes e inconscientes de nossa mente e corpo
estão ativas e compartilhando suas funções com outras pessoas, por mais
distantes e remotas que possam ou pareçam estar. Nosso parceiro ou parceira são
exemplos disso, nossos filhos, nossa família, nossos amigos, nossos colegas de
trabalho, nosso chefe, o chefe do chefe, as hierarquias, as estruturas, os
mercados, os sistemas, e tudo isso se estende a cada um deles individualmente,
inclusive, sem limites geográficos.
Veja,
a ideia aqui é a questão da sociedade globalizada e da coletividade, e não o
isolamento e/ou o egoísmo. Quando digo, como no título deste capítulo, que não
somos tão importantes assim, digo sobre um ponto de vista participativo em
todas as esferas, inclusive individuais, pois dependemos da existência de
qualquer coisa além de nós mesmos para nossa sobrevivência, nosso cotidiano,
nosso trabalho, nossa vida amorosa e demais relacionamentos etc. Bom, o isolamento em si entrará em uma
discussão futura. O ponto é: em um mundo globalizado tudo está ligado em
sociedade, até mesmo as diferentes formas de sociedade.
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