
Antes de mais nada, deixo claro minha visão geral, e não partidária sobre
o que se segue neste texto livre; pois, antes de qualquer coisa, a cidadania me
habilita, e não minhas crenças pessoais, justamente por vislumbrar a sociedade
como um todo dotada de individualidades das mais variadas, que, desde que não
agridam a outrem, devem ser, também, respeitadas. Entretanto, confesso que sinto
certo constrangimento em ter que explanar sobre minha posição neste texto.
Contudo, em tempos de maniqueísmos dos mais variados e incompreensões e
contestações programadas, para evitar taxações (que quase nunca são evitadas),
nos vemos obrigados a explicar até mesmo as explicações.
Conversando com colegas professores, entre outros profissionais e demais
conhecidos e amigos, e tentando ao máximo compreender muito do que está
acontecendo no Brasil após as eleições presidenciais de 2018 e durante este
início de Governo, busco compreender uma parte considerável – e não pequena –
da sociedade: a oposição. Minha análise (ainda que parcial e inicial neste
texto) não possui um foco restrito sobre o que entendemos como participação
política, mas sim, compreendendo o exercício político da cidadania
independentemente de convicções particulares; e o ponto, aqui, não é “quem
votou em quem”, e sim, a coexistência de todos dentro deste cenário.
Entretanto, cabe uma crítica: as oposições não estão organizadas, sejam elas de
esquerda, direita, centro e suas subdivisões e vertentes.
Na história recente, vimos governos caindo por muito menos se comparados
a tudo o que vem acontecendo nestes primeiros meses do governo atual. Não
precisando adentrar muito na História do Brasil: tivemos o caso Collor e seu impeachment,
e mais recentemente, o da presidente Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente
Lula e sua segunda condenação. Não entrarei no mérito individual de cada caso,
sendo legítimos ou não, comprovados ou não. Contudo, em ambos existiram fatores
que deram início às revoltas populares e pressão pública às ações políticas que
se seguiriam – mesmo que de forma manipulada, pois, de qualquer maneira,
existia, até então, uma concepção de “oposição” àqueles governos, que se
manifestava na medida do possível. O que me faz levantar a questão: E hoje, onde estão as oposições? Transformamos
a nós mesmos, espontaneamente, em uma oposição
espectadora que se satisfaz em reclamar dando risada e dizendo “eu avisei”?
Demos início a um governo racista, xenofóbico, sexista, misógino e carregado de
violência e discursos de ódio inconstitucionais, para não citar os casos de
corrupção que já existiam antes da ascensão presidencial e se instalaram com
mais força. Porém, após todo o processo eleitoral, já nas primeiras semanas,
demos de cara com o escancaramento de eventos que traziam à tona inúmeros casos
de corrupção dentro do próprio Governo eleito envolvendo o presidente, sua
família e correligionários. Movimentações financeiras não explicadas, candidaturas laranjas, desvio de
dinheiro e corrupção comprovada do fundo partidário no PSL (Partido Social
Liberal) que elegeu o atual presidente; sem levantar as investigações,
independentes e declaradas, de envolvimento da família presidencial com
milícias no Rio de Janeiro e o assassinato da vereadora Marielle Franco (por
milicianos enaltecidos pela família (até então não) presidencial).
Porém, a questão aqui é a sociedade. As pessoas. Os eleitores e não
eleitores, o povo de maneira geral, ultra partidários ou não. Eleitores,
principalmente, das camadas sociais mais afetadas pelas atitudes desumanas e
retrógradas deste Governo. Todos nós, e já me incluo neste todo para não sofrer
represálias patéticas, todos nós vivemos em um período que vinha se construindo
durante anos. Nos tornamos espectadores de tudo, incapazes de contestar, e
quando o fazemos, somos incapazes de agir. Claro, houve momentos em que parte
de nós tomou posições pelo povo, como nas manifestações iniciadas em 2012/2013
por conta dos aumentos de passagens na capital paulista. Mas, de lá para cá,
pouco se fez no contexto geral. Sem contestar as informações e fontes que nos
eram apresentadas, aceitamos grande parte das manipulações de gurus
autoproclamados sem nenhuma bagagem confiável. Viramos uma sociedade
espectadora, principalmente pela graça e o infantil bom humor que vemos em
tudo. Com o teatro, o espectador não possuía controle do que estava acontecendo
diante de seus olhos, “obrigado” a apenas receber o conteúdo e fazer suas
próprias análises – fossem elas necessárias ou não. Com a televisão, a mesma
coisa, antes que viesse o bombardeio de canais e informações de fontes diversificadas:
e as pessoas passam a ter “controle” daquilo o que queriam ver, refletindo, ou
não, sobre seu conteúdo. Deixamos, parcialmente, de ser meros espectadores e
passamos a escolher aquilo o que mais nos agradava em matéria de consumo de
informação, de qualidade ou não, reflexivas ou não. Com a Internet, porém, nos
tornamos (novamente) ainda mais passivos, ainda mais do que durante os
espetáculos de teatro e programas de TV que nos davam falsas sensações de
liberdade. Passamos de meros espectadores passivos para uma sociedade
espectadora, ainda mais passiva, porém, desta vez, por conta do “bom humor”.

O que ninguém avisou, é que o tempo do “eu avisei” já passou, e passou de
uma forma tão acelerada, que não nos permitiu sequer expressar essa afirmativa;
pois realmente não dá tempo de fazê-lo. O “eu avisei” terá de ficar para uma
próxima, pois a coisa toda já aconteceu e todos nós estamos vendo e vivendo,
dia após dia, as mazelas impostas à sociedade. É hora, então, de deixamos a
passividade espectadora para trás. É hora de deixarmos para trás o “eu avisei”.
É hora de assumirmos uma posição opositora e educarmos, mesmo que da maneira
mais pedagógica e paciente possível, quase que pegando pela mão o indivíduo, e
ensinarmos a ele qual sua relação com o todo e como suas atitudes refletem em
toda a sociedade da qual ele próprio faz parte e da qual não se tem escapatória,
pois o “cada um por si” não se aplica mais desde que os seres humanos
resolveram criar as civilizações mais antigas. É hora de nos educarmos. É hora
de pararmos de rir e começarmos a nos opor. Oposição aos interesses de elites
internas e externas que querem, simplesmente, o benefício e sobrevivência deles
próprios e a exploração homicida da sociedade.
Volto, então, a questionar: Onde
estão as oposições? Pois, aprendemos a rir, aprendemos a achar graça de
tudo; e isso demonstra apenas a única capacidade real que desenvolvemos nestas
quase duas décadas do novo século: a capacidade de jogar a toalha, abandonar o
barco e dizer “desisto”, desistindo de nós mesmos e da luta pelos direitos das
pessoas mais próximas às mais distantes. Desistir é também parte do egoísmo que
nos impede de agir pelo bem de todos, pois somos também este todo. Precisamos,
com urgência, deixar de ser esta sociedade espectadora que assiste ao
espetáculo como um grande reality show
político à espera da próxima polêmica para comentarmos. É necessário agir,
tomar uma posição, pois a oposição perde a cada dia em que não contesta e não
age, e esta perda política, não somente partidária, pavimenta e solidifica a
derrota para todos nós; e por “nós”, não considere apenas você e eu. Não.
Considere também seus pais, seus filhos e filhos destes. Considere todos os que
lutaram para tornar sua existência possível, seus direitos e liberdades.
Considere todas as pessoas que você ama, por quem você tem o mínimo de estima
ou simplesmente por seus iguais. Mas não se exclua do problema e nem da
solução.
Precisamos nos reorganizar enquanto indivíduos, enquanto cidadãos,
enquanto sociedade. Precisamos nos organizar enquanto oposição daquilo o que
nos prejudica, assumindo posições, tomando partido pelo ser humano, pela
sociedade, pelo futuro que está logo ali, deixando o egoísmo apenas para àquilo
o que é de nossa intimidade; mas precisamos compreender a totalidade. As
oposições precisam se reorganizar. A sociedade do espetáculo precisa agir e
aplaudir apenas nossas vitórias, repudiando o que nos maltrata. Precisamos nos
reorganizar e nos opor.
24 de fevereiro de 2019
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