Eu gostaria e poderia começar
este texto de várias maneiras: como um desabafo, um texto livre ou até mesmo um
artigo técnico. São tantas as formas com as quais eu poderia abordar este
assunto que, sinceramente, não consigo mais decidir sobre qual delas utilizar,
pois parece que já me utilizei de todas e, mesmo assim, sempre ressurge a
necessidade de escrever mais sobre este tema.

movimentos sindicais e direito ao
trabalho, salários compatíveis, a escolher com quem se quer se casar, escolher
se quer ou não engravidar, enfim, como discutir quaisquer questões se não
conseguimos deixar o preconceito e o sexismo de lado em uma sociedade que trata
o feminismo como um problema a ser resolvido, embasado em discursos agressivos
e ignorantes, e resolvido na base de mais preconceito e mais sexismo? Um país
que possui quase três milhões a mais de mulheres do que homens, com imensa
quantidade de famílias chefiadas por mulheres (37,30% – IBGE 2010) que cuidam sozinhas
de seus filhos e suas casas e trabalham nos mais diferentes empregos formais e
informais para garantir sustendo e educação. Como discutir (e não se digladiar)
qualquer assunto, de política à saúde, à educação, à religião e quaisquer
direitos e deveres dos cidadãos se muitos idolatram ídolos retrógrados e
compartilham mimeticamente sem nenhuma reflexão mínima suas ideologias
extremistas de conservadorismo chulo e ignorância colossal de picadeiro,
deixando de lado o bom senso de olhar seu arredor, dentro da própria casa, e
entender que essas malditas mulheres que todos estes combatem são as mesmas
mulheres que moram sob nosso teto, que nos acolhem, que lutaram pela nossa vida,
nossas mães, nossas mulheres e filhas e familiares, nossas chefes e colegas de
trabalho? Quando vejo situações assim, de maldizer e maltratar a existência
feminina, sinto asco, sinto enjoo e fúria, pois não é possível que ainda exista
gente neste mundo tão repugnante a ponto de tratar o estupro como uma punição a
qualquer tipo de comportamento, ou o uso de uma roupa curta (na praia, então,
seriamos todos estuprados)... Não é possível que ainda tenhamos que ouvir e/ou
presenciar este tipo de gente preconceituosa defecando verdades pela boca sem
ao menos saberem do que estão falando, tentando catequizar seguidores e
condenando ações de educação em benefício comum, chamando estas ações de
doutrina comunista ou de esquerda ou feminina (tratando tudo como pejorativo e
perigoso), sendo que a luta pela igualdade de gênero não é apenas uma luta deste
ou daquele gênero, é uma luta da sociedade pela e para a própria sociedade. É
uma luta de todos e por todos nós, pelo nosso bem comum, pela existência social
como um todo, e não como fragmentos que nunca se encaixam, pois forçam o
preconceito a se embrenhar por todas as frestas.
Fui criado a vida toda por
mulheres, pois o “ser conservador”, maçom, respeitado cidadão, casado, o macho
alfa e bom-moço, engravidou minha mãe no fim da adolescência e desapareceu. Fui
criado por mulheres que me trataram como homem, que me ensinaram tudo o que um
ser humano precisa aprender para ser uma pessoa de bem e jamais desrespeitar o
próximo. E por ser homem, faço questão de me igualar a todas estas mulheres que
lutaram para me alimentar, me dar cuidados e educação; e é exatamente por isso
que compreendo a totalidade da existência e a importância das mulheres em nossa
sociedade. É por isso que consigo olhar para o próximo (não o outro, o próximo, o igual), e enxergar
nele o mesmo ser humano que fui ou que me tornei, sabendo de suas necessidades
e capacidades. Se fosse o contrário, se eu não conseguisse compreender o
feminino em mim e potencialmente em todos nós, eu jamais teria a menor chance
de debater ou sequer pensar qualquer tema que estivesse além do meu próprio
umbigo e meu egoísmo narcisista.
Maldiga. Se isente. Desconverse.
Grite. Esperneie e faça pirraça. Tudo o que você consegue, no fim das contas, é
se isolar ainda mais para poder maquinar ainda mais ódio e retrocesso de uma
realidade na contramão. Essa é a vida tensa, a vida difícil que não te deixa
dormir, pois você está dominado pela sua própria prisão, confinado pela
ignorância. A notícia boa é que esta ignorância pode ter cura. Mas, só se você
quiser.
Cinco de outubro de 2018 – 00h30min.
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