06/12/2012

Trecho do livro Rebeca - Alguns não pecam por nada

 

Cap. 9, Parte 2 - Amar ao Contrário

Se amar, de maneira natural, é querer estar o mais próximo possível da pessoa à quem se tem este sentimento, amar ao contrário é quase a mesma coisa. É o mesmo sentimento, com, talvez, a mesma potência. Porém, este amor pede distância. Pede o mais alto nível de individualidade possível. Amar ao contrário quer dizer manter-se unido a alguém pela necessidade inco
mpreensível de estar longe. Neste ponto, a igualdade entre o amor natural e o amor ao contrário. Um sentimento incompreensível. Um sentimento que não polpa esforços, que não mede prestígios, que não implora pequenas coisas.

Amar ao contrário é querer estar o máximo possível distante da pessoa que se ama. É querer, de tão próximo, correr o mais rápido possível para longe, para fora.

Amar ao contrário, ao contrário do que pode se pensar, é continuar amando.

Amar ao contrário é sentir tanto amor pela pessoa desejada que se sente a necessidade de ver, ouvir e sentir este amor pelo lado de fora, como na visão de um desconhecido. Amar ao contrário é querer estar longe o bastante para se poder admirar ao máximo quem se ama.

Amar ao contrário, ao contrário do que pode se pensar, é gritar o mais alto e forte possível: “eu te amo”, desde que se esteja longe o bastante para que ninguém escute.

Amar ao contrário, não é sofrer calado. Nada disso. Amar ao contrário é desejar que a distância não tenha fim, para que se sinta vontade de chegar cada vez mais perto de quem se ama.

Amar ao contrário é a vontade de sentir saudade.

Amar ao contrário é a vontade de estar longe, para querer chegar mais perto.

Amar ao contrário.
― Ao contrário: amar. – dizia Rebeca. Amar é o sentimento mais humano, talvez, que existe. Animais não amam. Eles possuem instinto de sobrevivência. Animais não choram pela falta do amor. Mas sim, pela falta do corpo presente que defenda seus iguais. Isto é o amor, para o ser humano? Ser humano é abandonar nossa natureza e ancestralidade instintiva? Ser humano é deixar de existir enquanto ser natural? É deixar de existir enquanto matéria criadora?

― Ser humano, Rebeca, então é fazer do sexo, daqui em diante, um ato meramente repugnante, que nem a reprodução servirá, tamanha é a frieza que o Homem cultiva dentro de si?

― Não sei, meu amigo. E pretendo também não pensar nisso. – respondia Rebeca. Afinal, isso não é conversa para um bom capítulo. Amar ao contrário. Este sim é um bom tema.

Amar ao contrário. Quem nunca sentiu amor assim? Quem nunca sentiu esta vontade, ou no mínimo a dúvida que rondasse a cabeça, de gostar tanto de uma pessoa a ponto de querer deixá-la? Como aquele olhar profundo, direto na alma, que pode ser traduzido pela frase “eu te amo tanto, que prefiro terminar tudo”. Esta frase que se mostra egoísta nada mais é que, também, um egoísmo ao contrário. É o egoísmo pelo o outro, e não por si mesmo. O egoísmo que pede que se pense primeiro para fora, e por último para dentro.

Afinal, o amor move as pessoas?

O que indica que o tempo passou?

― Não sei ao certo. Se tanto o amor quanto a fé move montanhas, e as pessoas? São movidas por estes sentimentos também? A fé é a crença forte em alguma coisa. E o amor? Também é um sentimento de crença ferrenha em algo ou alguém? É o amor que move os outros sentimentos? – indagava Rebeca, ao vento.

― Como é, Beca?

― O amor, Anna. É o amor que move o mundo?

― Putz... Não sei, Beca. De onde veio esta pergunta? Você estava aí, quieta, bebendo seu café. Pensei que você estivesse cansada, ou tão longe que não estivesse com vontade de conversar. – respondeu Anna. Quem diria que em plena nove da manhã você viria com esta pergunta, assim, do nada.

― Não foi “do nada”, minha amiga chocólatra. Eu estava pensando nisso noite passada. Essa pergunta foi apenas um eco do que pensei ontem.

― Você é um caos, Beca, minha querida amiga eternamente apaixonada. Se fosse um livro, você seria um livro caótico, difícil de acompanhar; talvez até cansativo. Apesar de curioso ao se olhar para a capa.

― Se eu fosse um livro, Anna, tenho certeza que poucos me leriam. O que há de emocionante em mim, para que outros saibam pelas páginas? Que escritor seria medíocre o bastante para escrever algumas centenas de páginas sobre mim? – respondia. Não Anna. Nada disso. Eu não sou tema bom o suficiente para me dar ao luxo de ao menos pensar que um dia alguém se interessaria por mim assim. Afinal, nem como pessoa em mim se interessam. Quando mais em uma história em forma de livro.

Quero que me amem ao contrário, Anna. Quero que mantenham distância de mim. Quero que as pessoas me amem a tão ponto que comecem a correr sem direção, como baratas desesperadas tentando se salvar, com a única certeza em mente: se salvar a todo custo. Não estou aqui para ser amiga de ninguém. Não estou aqui para ser amante de ninguém. Não estou aqui para fazer carinho ou dar carinho. Não estou aqui. Eu, Rebeca, não existo, e continuarei não existindo. Não quero que beijem minhas mãos. Quero ser antropófaga, e comer minha própria carne até o último grama. Quero ser apenas um vazio, aquele vazio que todos sentem, mas não se sabe do que. Um fantasma que não deixará nenhuma lembrança. Quero apenas estar aqui agora, e nunca mais depois. Talvez seja exatamente isso o que procuro. Meu final. Sim. Acho que é isso. Quero o meu fim a todo custo. Vivo me perguntando por que as pessoas parecem querer se destruir, quando na verdade sou que quero. Ou também quero. Porém, aqui se levanta outra questão quanto a minha resposta: por que eu quereria o meu próprio fim?

Está vendo, Anna, meu amor? Mesmo que eu responda tudo o que for perguntado, seja no outro ou em mim, no planeta Terra ou fora dele, para toda a resposta haverá outra questão que eu farei... E nunca encontrarei meu final. Pois, meu final é a extinção de todas as questões.

― Enfim você encontrou seu motivo. – parabenizou Anna. Enfim você conseguiu a resposta que tanto procurava. Finalmente escreveu sua última página. Agora pode parar de mortificar a si mesma. Agora pode parar de...

― Não sei Anna. Não sei se encontrei.

(continua na Parte 3, Cap 9 - Além do Arco-íris)

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